Amigo e irmão Gilsey,
Já faz dois anos que você partiu. Foi neste mês de junho, festa de muitas santos populares. Sua memória, amigo, está misturada com muitos movimentos. Já estão sendo organizadas celebrações nas comunidades por onde passou e deixou as marcas do amor traduzido em serviço. Toda partida é, também, chegada, como diz o poeta. A sua também não foi diferente.
Na sua partida, marcada por muitos mistérios, levantaram-se em nossos corpos muitas bandeiras de luta. Foi como se dos túmulos se levantassem várias situações de exclusão que negamos como sociedade que naturaliza injustiças para vivermos tranquilos/as. A sua palavra de despedida nos acompanha em muitos cantos: vamos girar o mundo. Esse giro significa outras opções e a principal delas é a vida dos pequenos: não permitir a morte da juventude. Só que girar significa mudar as estruturas que estão sustentando o extermínio de milhares de vidas pela educação de péssima qualidade, de um transporte que mata o corpo do povo que “madruga”, que viaja pisoteado pela falta de espaços, cansado por não poder viajar sentado; pela saúde que, na maioria das vezes, não há profissionais, remédios, atendimentos respeitosos da vida; pela ausência de tempo livre com qualidade para curtir as pessoas em uma convivência alegre, gratuita, ou mesmo, para assistir um filme ou espaços disponíveis para todos/as para estar em contato com a natureza. Essa violência, que não pode ser contabilizada, está presente nestas situações e em outros direitos que são negados para a maioria da população.
As situações de violência que podem ser registradas e divulgadas apareceram no Mapa da Violência, divulgado neste ano. É, na verdade, uma realidade que apavora qualquer pessoa com o mínimo de sensibilidade. Temos medo que o conhecimento de números só nos dê conhecimento e, por isto, alguma importância; porém, nos desvie do foco de girar o mundo. Sabe por quê? Girar o mundo implica a nossa vida e a vida das instituições. Você precisa ver a lista de pessoas ameaçadas de morte que tem neste país... E o mais triste, quando a lista foi apresentada às autoridades, disseram: não temos como resguardar, porque implica muita estrutura. Revela, com isto, que o movimento de girar o mundo implica a vida. Significa que muitas instituições preferem e apoiam o que aí está. Significa, também, não assumir a vida em primeiro lugar e não assumir o mandato de Jesus “vida em abundância para todos/as; significa seguir outro Deus, e não o Deus de Jesus.
Sabemos que os/as seguidores/as do Ressuscitado não se deixam paralisar diante da morte porque aprenderam, com Ele, em várias situações. Lembra de nossa reflexão sobre o Filho da Viúva de Naim? Rompe com sua cultura, coloca o menino morto de pé, quebra a estrutura de exclusão da mulher. É este Jesus que queremos seguir. Sabemos que só podemos girar o mundo se tocarmos nas estruturas. Porém, amigo, tocar nas estruturas ameaça o poder estabelecido e ele tem armas e pessoas que sabem usá-las para manter o mundo como está. Pior, muitos em nome de Jesus. Sabemos que a vida de Jesus foi para anunciar o Reino de Justiça. E a justiça de Deus é que seus filhos e filhas vivam com dignidade. Ele deu a vida por isto e os poderosos do seu tempo não suportaram a sua mensagem e decidiram eliminá-Lo.
Assumimos essa teimosia de crer na vida e cuidar da vida ameaçada. Você, com seu testemunho de amor serviço, com sua vida doada, continue alimentando nossa esperança. Não podemos dizer que o mundo está no mesmo lugar. Há grupos de extermínio que foram identificados e presos em vários lugares do país. Porém, aqui nos nossos Estados e em outros lugares as coisas estão mudando, mas com muitas dificuldades. A realidade de extermínio é triste demais. Assim como todas as ameaças que você viveu e que provocou sua partida... Não é diferente. Descrevem a sua morte quando explicitam as ameaças contra as pessoas: será simulado um assalto, uma pessoa conhecida liga e pede ajuda; acusa a pessoa de um delito: pedofilia, prostituição, trafico, e assim, mata o corpo e a memória.
Os/as jovens das Pastorais de Juventude têm assumido de modo impressionante o compromisso com a Campanha contra o Extermínio de Jovens. Você é o patrono. Em todo o mês de junho há celebrações de sua memória pra todo canto. Não é novidade que tem pouco apoio para uma atividade que provoca o mundo girar... Eles são testemunhas do ressuscitado. Têm coragem e arriscam suas vidas na política, na organização de outros jovens e de outras formas. Assumem os projetos de vida que foram elaborados em seus Processos de Educação da Fé. Por favor, veja aí, amigo Gisley, com D. José Mauro, com Floris, Albano, Rosa e tantas jovens e adultos/as e peçam, implorem ao Senhor, que mova o coração de pessoas para acompanhar esse grupo de gente corajosa para que não desanimem de viver o seguimento a Jesus, defendendo a vida do povo jovem. Inclua, no pedido, que todos/as saibamos seguir as orientações do Mestre, quando nos recomenda que sejamos simples como as pombas e espertos como as serpentes para anunciar o Reino da Vida.
Na saudade, pedimos que sua memória sempre nos acompanhe na fidelidade e nas angústias geradas pelo compromisso com o caminho do amor serviço.
Carmem Lucia Teixeira, amiga e companheira na missão do Padre Gilsley, da equipe da Casa da Juventude de Goiânia (Goiás) e P. Hilário Dick que sempre se orgulha de te-lo ajudado na missão que viveu.
15 de junho de 2011.
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